Reconhecimento armado
"O nosso pelotão reforçado com três condutores-auto de reserva e levando como guias um civil europeu e um garoto nativo, vai reconhecer uma povoação e as matas adjacentes.
A coluna está organizada pelas duas de madrugada. Noite bastante escura; uma chuva miudinha tamborila nos capacetes irritantemente.
" Em marcha! " Secção A na testa, em reconhecimento, com os guias; depois eu próprio com uma esquadra; na cauda, a Secção B.
Instruções cuidadosas; aliás todo o pessoal já conhece isto bem!...
As primeiras dificuldades na progressão aparecem ao transpormos o curso do rio e, um ponto mais adiante, o de um afluente; pontes destruídas obrigam a improvisar passadiços com troncos de árvore que temos que abater a machado.
Vamos entrar em terreno desconhecido; as viaturas não podem ir para a frente; há que continuar a progressão a pé.
Quando o sol se mostra estamos dentro de uma densa mata, cuja passagem foi extremaménte difícil, por falta de visibilidade - ninguém sabia o que surgiria de um momento para o outro... Todo o cuidado é pouco. E já vamos atrasados; a chegada ao ponto de primeiro destino estava prevista para as quatro e meia; onde já vão as quatro e meia!
Enfim; não houve muita demora. A almejada povoação avista-se logo que saímos daquela mata. Rápida instalação das armas; distribuição de missões; as últimas recomendações... mais uma vez! Todo o cuidado é pouco!
Cinco horas e vinte: um tiro de bazooka, sinal combinado para início da progressão. Cautelosamente, vamo-nos aproximando do numeroso grupo de palhotas... Afinal cá estamos; decepcionados! Tudo estava abandonado, desde há dias - havíamos batido em falso, após mais de três horas de marcha debaixo de água, com lama até às coxas!!!
Decidi avançar um pouco mais, para reconhecer uma sanzala, cerca de dois a três quilómetros para Leste. «Vamos embora! e com cuidado - não se esqueçam que há gente em franca rebeldia». Voluntáriamente ou obrigados é sempre a tiro que nos recebem. Seja pois o tiro, também o nosso cartão de visita. Hesitar ou oscilar, nesta horrível linha de conduta, é a queda...
Lá está a sanzala ainda um pouco longe. Mas que é isto? Todo o gentio debanda em todas as direcções; quem passou aviso, quem deu o alarme? Há-de haver por aqui uma boa vigilância! Então aí vai a confirmação: as armas, dirigidas para onde não façam estrago, anunciam-nos. Agora aproximamo-nos cautelosamente; nada, tudo abandonado. Busca esmiuçada; algum armamento. Umas palhotas incendiadas. Vamos embora, deixando bem visível, uma proclamação ( aqui lhe chamam «mucanda» ) escrita em dialecto local, intimando-os a que se entregassem; que nós lhe garantíamos protecção contra os guerrilheiros; e ajudas, assistência e donativos...
Regressamos.
Estamos de novo na povoação; vamos fazer um pequeno descanso - um alto guardado... Os vigias que tinha na direcção da sanzala vêm dizer-me que o gentio, em grande algazarra, se aproxima em massa. Para bem? Para mal?
Pelo sim, pelo não - a postos de combate!
Pronto; já não há dúvidas. Já se ouvem distintamente alguns famosos gritos de guerra: interminável melopeia; como que um tam-tam - sim, lembram-se bem: aqueles filmes da série Tarzan... E a onda vem-se aproximando: ouve-se, sabe-se de onde vêm, mas não se vêem. Perto de mim, o pretito guia treme e consegue dizer-me: « se olha branco mata, tenente!! »
De súbito, a cinquenta metros, levanta-se um gigante empunhando um trabuco descomunal. Camisa branca, calção azul, um largo cinturão de coiro; sem dúvida o «condottieri». Cercam-no um magote de guerreiros armados. Mais atrás mulheres e mesmo crianças, de catanas e cacetes. Agora já não gritam; correm, atiram-se fulminantemente contra nós...
É francamente doloroso... mas tem de ser: Fogo!!
Rebenta a fusilaria; o chefão abate-se - a debandada, em correria desordenada; afinal, as balas matam... Mando proceder á limpeza e possível identificação dos caídos.
Mas «a coisa» não acabou; no meu flanco direito faz-se um grande alarido - o inimigo, em grande número, tenta envolver-nos pela retaguarda... A solução era o rio com a ponte cortada; tinha de ser a vau. Ordeno-o rápidamente. Sim, não há dúvida - aqui tem de ser o tradicional «quadrado», a tal defensiva em todas as direcções, como agora se diz à guiza de grande novidade...
Os gritos, chocalhos e guisos de chamamento e reunião aumentavam assustadoramente; há, de facto, uma organização - percebo que o inimigo já atingiu o rio, que estamos cercados... Mas que temos que atravessar o rio, a todo o custo.
Ao chegarmos à margem somos alvejados; resposta enérgica das nossas armas... É aguentar, rapazes; há que localizar o vau - já sei; é naquela mancha de arvoredo. Vamos para lá, sempre fazendo fogo.
Os rebeldes estão a trinta metros de nós quando nos metemos à água; enquanto uma Secção passa, a outra cobre-lhe a passagem...
Agora sou eu que passo... Mas ai de nós; os tipos também já cá estão deste lado; em maioria esmagadora!!
Aguentar, aguentar sempre; fogo e mais fogo.
Finalmente já tenho todos os homens do lado de cá; agora há que fazer uma rotura de combate, mas em difíceis condições!! Afinal, a melhor maneira, ainda é à Cavalaria - uma enérgica sortida para aliviar a pressão inimiga...
E foi tudo! Foi o nativo que rompeu o combate... e está agora a ser perseguido...
Pouco faltava das dez quando in iniciámos o regresso, felizmente sem uma beliscadura em ninguém. Ao meio dia entrávamos no Quartel, depois de dez horas de trabalhos e riscos." ( Ten.Cav. Almeida Bruno in Revista da Cavalaria ano de 1961)