CAVALARIA POR TERRAS DE AFRICA

Episódios passados pelos soldados de cavalaria na guerra colonial (1961-1974)

quinta-feira, abril 06, 2006

EMBOSCADA


" É ainda noite e o cacimbo teima em não desaparecer. Frente ao edifício da administração, as viaturas que compõem a coluna vão surgindo. Vejo as horas: quatro da madrugada.
Conto onze viaturas, que distribuo assim: uma na testa da coluna com os guias; seguem-se outras duas e depois vão as três camionetas vazias, para carregar as mercadorias que vamos recuperar; a meio da coluna há-de ir uma outra viatura com um graduado e alguns soldados da Polícia Militar; irão depois as outras três camionetas descarregadas. Total de efectivos: duas secções, reforçadas com uma meia dúzia de civis armados e alguns cipais.
A missão é simples: escoltar as seis camionetas civis até à população a fim de recolher mercadorias ali abandonadas quando do início do conflito.
Tudo pronto, instruções dadas, as últimas recomendações feitas; são cinco horas. " Em marcha"!
Andamento vagaroso por causa da visibilidade quase nula devida ao intenso nevoeiro; e também porque o capim, que se estende das bermas para o pavimento da estrada está muito alto e impede a observação lateral. Mesmo assim, vamos progredindo.
Por volta das sete e meia atingimos uma sanzala; a viatura testa parou - Atenção! Aí vem um cipai; diz-me que bastante gentio marcha à nossa frente; tinha pernoitado nas bermas da estrada e, à aproximação da coluna, levantou-se e seguiu; mas nada de alarmes - é gente ordeira...
Recomeçamos a marcha; penetramos na sanzala. As palhotas vão desfilando na nossa retina umas intactas, outras destruídas, queimadas algumas.
O cipai aí vem outra vez e anuncia que os movimentos do gentio aumentam. A estradita corre em serpentina e faz curva apertada; sei que estamos perto duma pequena povoação nativa.
Num momento como por magia, a viatura que segue na frente desaparece aos nossos olhos!! Hàbilmente disfarçada, uma enorme armadilha de caça tinha engolido a viatura testa; ao mesmo tempo, uma densa fusilaria começa a bater-nos... Um soldado é atingido no ventre; um furriel, ao saltar do Unimog é ferido numa mão.
Alguns minutos depois, tudo está em posição; não se tarda a ouvir o matraquear das Madsens, cortado de onde em onde pelo estoirar grave das granadas de mão. Pouco passa das oito horas.
O fogo inimigo vai diminuindo; cala-se. O pessoal salta imediatamente das viaturas, limpa os flancos da estrada e, a pouco e pouco, penetra cuidadosamente no capim, que nada deixa ver. Ocultos, alguns rebeldes ainda tentam manejar os pesados canhangulos ou servir-se das traiçoeiras catanas.
Muitos deles jazem furados pelas balas ou atingidos pelos estilhaços das granadas; aqui e além, os sobreviventes tentam fugir, mas são ceifados pelas rajadas das pistolas-metralhadoras. Olho por olho, dente por dente é a lei da selva; dura ... mas lei.
Vamos agora recolher e identificar, quanto possível, toda esta gente; e dar sepultura aos mortos; e tratar dos vivos...
Secção A: vai retirar a viatura caída na armadilha; cipais guias e civis reforçam a tarefa. É preciso andar depressa!!
Secção B: segurança da operação; extrema vigilância!
Quinhentos metros à nossa frente uma enorme árvore, forte como uma torre, cai estrondosamente, atravessando-se na estrada. Um cipai acorre, do outro lado, e diz-me que á nossa retaguarda sucedeu o mesmo!! As intenções são bem claras; afinal, estes tipos não são tão inocentes como parecem... O tempo urge; o risco aperta. As Madsens começam a disparar de quando em quando; os rebeldes movimentam-se e reorganizam o dispositivo, para cair sobre nós. Calma, nada de sobressaltos! continua-se a içar o Land-Rover, que não sofreu grande dano, a não ser umas amolgadelas. Os preciosos Unimogs prestam-nos o concurso do seu braço forte e finalmente: cá temos o nosso Land-Rover recuperado. Bonito trabalho; e rápido. São dez e um quarto.
O homem ferido no ventre reclama urgentes cuidados; há que evacuá-lo sem demora; mas como? Disponho de pouquíssima gente para uma coluna tão grande; e para uma empresa que afinal vai ser dura, não se trata de nenhuma aventura. Há que ir buscar mais recursos; resolvo retrodecer, para voltar de novo com melhores meios.
Vamos embora; e olho vivo e dedo ligeiro sobre os gatilhos... Lá está a tal abatiz à retaguarda; e bem batida pelo fogo dos canhangulos sendo a nossa reacção imediata e violenta. O inimigo abandona a luta; as mesmíssimas cenas de ainda agora...
Um trabalhão para remover esta monumental árvore; não há possibilidade de a rodear; nem é bom sair com as viaturas para fora do leito do caminho.
Felizmente aparecem ao longe dois providenciais T-6. Magnífico! Completam a limpeza da área, ajudam-nos a remover o obstáculo e dão-nos cobertura até á vila onde só chegámos por volta das duas da tarde." ( Ten. Cav. Almeida Bruno) in Revista da Cavalaria ano de 1961.

quarta-feira, abril 05, 2006

Sempre Cavalaria



... Essas poucas páginas brilhantes e consoladoras que há na história do Portugal contemporâneo escrevemo-las nós, os soldados, lá pelos sertões da África, com as pontas das baionetas e das lanças a escorrer em sangue... ( Joaquim Mousinho )


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