Uma acção algures no Ultramar
O interrogatório feito a alguns presos, deu origem à notícia de que em determinada sanzala, estaria um indígena, talvez acompanhado de seus apaniguados, chave provável de um levantamento numa zona já considerada suspeita havia uma semana. Esta notícia foi obtida pelas 12h00 de um dia de Setembro. Pelas 14h00 outro preso acaba também por falar, e chega-se à conclusão que na realidade esse levantamento parecia existir, e mais, que poderia eclodir dentro de 48 horas.
O comandante da Unidade encarrega-se de sair imediatamente com o meu pelotão reforçado com uma secção, para aprisionar o tal indígena, chefe do levantamento. Não há tempo a perder, essa zona fica a 150 km de estrada má.
A primeira dificuldade surge: o desconhecimento quase total da zona onde iria operar. A maneira de o suprir, é arranjar um guia que na emergência teve que ser um dos indígenas relacionados com o levantamento. Consequência imediata, uma certeza muito relativa de conseguir chegar ao objectivo, e muitas probabilidades de "surpresas" pelo caminho.
Segunda dificuldade, a de andar no mato, de noite, e o barulho natural e impossível de abafar, de 30 homens desconhecendo o terreno e caminhando às cegas.
Terceira dificuldade, o tamanho da sanzala. Mandam os Guias e Folhas editados na metrópole sobre rusgas, que se montem anéis cercando a povoação ou sanzala a ser rusgada e haver equipas que depois entrarão propriamente no aglomerado e farão a dita rusga. Quantos homens seriam precisos para assim proceder? Até desconhecia o tamanho da sanzala.
Eram 20h00 quando cheguei ao Posto Administrativo dessa região, esclareci o respectivo chefe do que se passava, o qual se incorporou voluntariamente na coluna.
Eram 21h00 quando cheguei a um rio largo e caudaloso que dizia o preso ficar a uns 20 a 25 km do objectivo. Aqui apeámo-nos das viaturas ficando uma secção actuando como equipa de recolha. Atravessámos o citado rio e iniciámos uma penosa marcha a pé, e digo penosa por o terreno ser arenoso, e todo o pessoal ir carregado por não se saber o que apareceria e quanto tempo demoraria a acção.
Antecediam a coluna dois homens, distanciados uns vinte metros. À retaguarda atrasados uns 5 a 10 metros seguiam também outros dois homens. A marcha realizava-se em fila indiana distanciados os homens uns dos outros de 2 metros. Ao cabo de quatro horas de marcha consecutiva por mato e areia, sempre sob a orientação do "fidelíssimo" guia, este informou-me estarmos a 200 metros do objectivo. Nesse lugar mandei parar e descansar a coluna. Chamando os Sargentos, deixando com os homens o oficial médico que voluntariamente quis tomar parte nesta acção, desloquei-me em reconhecimento até à sanzala. Verifiquei que não era guardada, não havia vestígios de vida (não existiam cães nem animais domésticos) e que apesar de não ser demasiadamente grande não se poderia efectuar um cerco, que garantisse não haverem fugas, o que além da importância da perda dos presumíveis fugitivos. Nesta altura é ainda mais de capital importância, o sigilo que tem que rodear a acção como factor psicológico no indígena que se considera no mato e especialmente de noite impune e absolutamente fora de qualquer acção de tropa regular. Resolvi dividir a sanzala em três partes (pelas três secções) distribuídas aos respectivos Sargentos, e explicando-lhes que a cada cubata eles destinariam dois homens, um à porta e outro na retaguarda. A um sinal previamente combinado o Pelotão movimentou-se à vista da sanzala. Mais pareciam fantasmas do que gente, sendo inconcebível a escassez de barulho de 30 homens deslocando-se o mais rapidamente possível. Os Sargentos com as secções entraram na sanzala e dispuseram os seus homens como já lhes tinha sido dito. Durante esta acção o silêncio reinante muito imperceptível mente foi alterado. Foram montados também 4 postos de vigilância em árvores, com duas missões diferenciadas: a protecção do pelotão, detectando qualquer movimento exterior à sanzala e impedir a fuga de qualquer indígena. Consegui obter do preso que me orientava, a indicação da provável cubata onde estaria o objectivo daquela missão. Postei-me no meio do aglomerado de cubatas e dei o sinal esperado, previamente combinado: o levantar bem alto a pistola metralhadora. O barulho e confusão imediatamente seguidos, manifestou-se durante uns escassos segundos. Cada homem ao sinal acendeu a sua lanterna eléctrica, entrou na palhota respectiva e trouxe para o centro da sanzala o ou os habitantes masculinos visando sempre o menor barulho que estes pudessem fazer. Entretanto o outro soldado postado na retaguarda da habitação enquanto o outro entrou, verificou ninguém ter fugido por brechas ou buracos nas paredes da palhota, e assim que o primeiro soldado saiu levando o indígena dono da cubata, ele imediatamente garantiu que mulheres e filhos fiquem retidos na já mencionada habitação. Verificou-se que tal como na Metrópole as mulheres e crianças têm a tendência para iniciar um "berreiro" não só de choros como de insultos; contudo constatou-se, que bastava agir com autoridade para que o silêncio não fosse alterado. O homem que deu origem a esta rusga não foi preciso ser apontado entre os indígenas postados no centro de cócoras tremendo tanto de frio como de medo. Altivo e senhor de si quedou-se num mutismo absoluto apenas quebrado para afirmar ser ele o indivíduo correspondente ao nome que chamei. O objectivo principal estava alcançado, sem ter havido da parte deles o mínimo gesto de defesa devido á rapidez de execução e surpresa totalmente conseguida. Faltava apurar quais dos outros indígenas seriam os apaniguados. Assim que os homens estiveram todos reunidos no centro da sanzala, montaram-se duas sentinelas para os guardar e os soldados voltaram às cubatas que lhes tinham sido atribuídas, e iniciaram uma busca minuciosa empregando todos o seu saber sobre "arte de esconder" tão desenvolvida nos indígenas. Entretanto as sentinelas às mulheres e crianças fazem-nas sair das habitações, dirigindo-as para o centro da sanzala sempre em silêncio, sentando-as no chão separadas dos homens e de costas voltadas para eles. As crianças foram deixadas ao pé das mães, excepto aquelas que se julgavam terem já aproximadamente os dez anos ou mais que formaram também no chão, em grupo separado. Começaram a juntar-se num local já designado por mim, armas e artigos apreendidos nas cubatas. Foram apontadas as lanternas para as caras dos presos e foi chamado o indígena que me guiou, mantido sempre em silêncio e guardado a um canto da sanzala por um soldado. Este indicou um por um aqueles que como ele eram cabeças ou simples executantes no motim a eclodir. A rusga tinha começado às 2 horas da manhã e estava terminada às 4 horas. Iniciou-se a marcha de regresso, com os presos, armas e papéis apreendidos conservando o mesmo silêncio. Eram 7 horas quando chegámos ao local onde estacionavam as viaturas. haviam-se feito 40 quilómetros de mato e areia, aprisionando o chefe e cabecilhas de um levantamento, estava abortada talvez mais uma tentativa para alterar a paz e sossego que até aí essa região desfrutava.
Alf. Cavª João António Garoupa - 1961

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