CAVALARIA POR TERRAS DE AFRICA

Episódios passados pelos soldados de cavalaria na guerra colonial (1961-1974)

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Emboscada nocturna


“Desde que o Esquadrão havia reocupado a povoação de…., apesar de todos os nossos esforços no sentido de capturar ou aniquilar os diversos núcleos de inimigos em actuação naquela zona, pouco se havia conseguido. O Pelotão que aqui esteve antes do meu, capturou de uma vez duas mulheres que, depois de habilmente interrogadas por nativos fiéis, acabaram por indicar os locais onde o inimigo estava concentrado; uma delas foi então encarregada de lhes levar um aviso escrito na língua deles (uma “mucanda”, no dialecto da terra), no qual se lhes dava um prazo de três dias para se entregarem, prometendo-lhes mundos e fundos…
E, é claro, tudo como dantes, quartel-general, não em Abrantes, mas sim no tal escondido povoado.
Lá fui, em reconhecimento prévio.
Um pequeno vale, com três manchas de arvoredo em triângulo, na margem direita do rio; um pântano separava esse local do nosso itinerário normalmente utilizado e que passava a uns seiscentos metros das tais matas.
Evidentemente que o inimigo tinha a sua vigilância muito bem montada, e nunca seria possível surpreendê-lo durante o dia; só talvez durante a noite, e mesmo assim, a travessia do pântano não me parecia viável, não só pela natureza lamacenta do fundo, como pela altura das águas… e, sobretudo, pelas centenas de horríveis crocodilos que por lá iam fazendo vida. Por outro lado, observámos que, quase todas as manhãs, uns grupos de homens e mulheres nativos saíam das suas matas e atravessavam um braço de pântano, com o auxilio de pranchas de madeira que depois retiravam, para irem recolher as suas culturas nas lavras da margem esquerda do rio, tudo isso debaixo da protecção de uma forte escolta armada de canhangulos.
O local distava nada menos do que cinquenta e tal quilómetros do nosso aquartelamento.
Estudei os detalhes de uma emboscada a armar aos grupos já referidos, a fim de efectuar prisioneiros e, por eles, conseguir que os rebeldes se nos rendessem, passando a viver em paz e harmonia connosco.
Para mascarar a operação, anunciei que, no dia D, às tantas, íamos a uma sanzala próxima, fazer o seu reconhecimento, e buscar lenha para as nossas cozinhas, de que estávamos de facto necessitados.
A coluna saiu com uma viatura Land-Rover à frente, na qual ia eu com dois soldados (não esquecer que se tratava de um serviço de faxinagem), os quais voltariam para o quartel; a seguir iam os três Unimogs, de capotas fechadas – lá dentro, a Tropa apetrechada, armamento, munições; atrás, de modo a ver-se de fora, pessoal em fato de trabalho, que regressaria também ao quartel.
Chegados que fomos a tal sanzala, os Unimogs despejaram as suas cargas de guerreiros para o interior de um edifício abandonado, isto enquanto os faxinas cortavam paus e juntavam lenha, com o maior barulho e o mais espectacularmente possível, carregando os Unimogs, cujas capotas passaram a deixar ver o que ia lá dentro.
Por fim, os Unimogs retiraram, tão aparatosamente como tinham chegado; e nós passámos todo o santo dia e noite, sem tugir nem mugir, escondidos no edifício, evidentemente que com vigilância montada.
Três horas e meia da madrugada; a pé, e a caminho…
Antes do nascer do sol, a emboscada estava montada; só nos restava aguardar…
Seriam cinco e meia, apareceu finalmente um grupinho de cinco nativos, de canhangulo às costas, falando despreocupadamente; pararam a meia dúzia de passos das bocas das nossas armas. Agora aí vem o grosso da escolta: quarenta a cinquenta homens, uns também com canhangulos, outros de catana; finalmente, um numeroso grupo de povo incluindo bastantes homens e mulheres e crianças, destas últimas poucas.
Em vez de se dirigirem abertamente para o sítio das lavras, pararam todos muito perto de nós, começaram a discutir e a andar de um lado par ao outro; um cipai que nos acompanhava ouvia perfeitamente o que diziam e disse-me que estavam a decidir se deviam ir às lavras ou voltar às suas matas, sem que se percebesse a razão da indecisão. Por fim, contra a nossa expectativa, voltaram para trás…
Dei então de imediata ordem a uma das Secções para, sem barulho, tentar o envolvimento e cortar-lhes a única retirada… Mas o movimento foi pressentido… e “salve-se quem puder”! Foi uma desordenada correria até ao pântano.
Dos abatidos, alguns foram identificados pelo cipai como inimigos de grande actividade, no início dos acontecimentos; dos perigosos.
Numerosos os prisioneiros feitos; mesmo alguns, que se tinham metido no pântano foram apanhados por alguns dos nossos soldados que, sem olhar a jacarés, rapidamente tiraram as roupas, e de capacete, cartucheiras e armas, se meteram à água; exímios nadadores…
Ora bem: agora é preciso dizer uma coisa…
Quando fizemos a nossa instalação, ainda de noite, mandei um dos Sargentos, acompanhado por um cipai, fazer um curto reconhecimento ao caminho que os inimigos deviam tomar, para ver se haveria qualquer alteração – pois as ligeiras pegadas que deixaram, não passaram despercebidas aos astutos inimigos. Era precisamente isso que eles estavam discutindo; e se tivessem seguido os conselhos de alguns deles nunca teriam caído na boca do lobo…”

Alferes Paixão, 1961


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